Apesar do alto custo de vida, migrantes preferem permanecer nas ilhas turísticas
SOURCE: [Expresso das Ilhas]
As ilhas do Sal e da Boa Vista emergem como destemidas jóias no Atlântico. Nestes cenários adversos, migrantes optam por desafiar as dificuldades económicas, transformando cada obstáculo em oportunidade. No Sal, as salinas e praias douradas contam histórias de resiliência, enquanto na Boa Vista, dunas imponentes revelam coragem, ambas as ilhas guardam histórias de indivíduos que abandonaram tudo em busca de melhores condições de vida.
Manilse, uma jovem determinada de 25 anos, residente na ilha do Sal há dez anos, atesta a inegável complexidade do custo de vida nesta ilha e as condições financeiras desafiadoras. Contudo, sua escolha de permanecer no local é respaldada pela convicção de que a ilha oferece oportunidades únicas de emprego, proporcionando-lhe a perspectiva de uma remuneração substancialmente mais generosa.
“A primeira vez que estive na ilha do Sal eu tinha 14 anos, sou natural da ilha de Santiago, e como já tinha reprovado na escola, pensei que o Sal seria uma boa opção. Comecei a trabalhar com 16 anos, pelo que fui estudar numa escola privada para poder concluir os meus estudos. Aqui a renda das casas é muito alta, estou aqui com os meus irmão, a minha mãe e o meu padrasto, então dividimos as despesas, mas, mesmo assim não é fácil”.
Manilse destaca que a ilha do Sal oferece excelentes oportunidades de emprego. Durante o auge da pandemia ela enfrentou dificuldades, especialmente em Santa Maria, onde o custo de vida é muito elevado. Diante desse desafio, Manilse e sua família optaram por viver numa casa em construção, um investimento da mãe. Essa estratégia não apenas ajudou a superar as adversidades, mas também se revelou uma solução eficaz para enfrentar o período de paralisação do turismo na ilha.
Na Boa Vista, Elson Antunes, natural da ilha do Fogo, destaca que o custo de vida é notavelmente alto, tornando-a uma das ilhas mais dispendiosas do país. Diferente do padrão dos migrantes, Antunes conta que inicialmente não teve muitas dificuldades, teve o auxílio de um familiar que já vivia na ilha, o que facilitou a procura de moradia e o processo de adaptação.
“O meu primo sugeriu que eu viesse viver cá porque estava a ter dificuldades em suportar as despesas de renda, alimentação e outras necessidades. É realmente desafiante para alguém manter-se sozinho. Quando cheguei, decidimos arrendar uma casa com quatro quartos, dividindo os custos entre quatro pessoas. Cada um pagava 11 mil escudos de renda pelo seu quarto. O preço era bem próximo de uma casa menor, que ao dividir pagaríamos bem mais caro. Os preços dos produtos são elevados e, actualmente, tenho um filho aqui. Pagar a renda, o jardim da criança e garantir a alimentação são custos significativos, considerando que vivo em Santa Isabel, onde o custo de vida é mais acessível”.
Custo de Vida
Ainda na ilha da Boa Vista, Cosmo Andrade, natural da ilha do Maio, revela que o emprego não é tão fácil como as pessoas imaginam. Este jovem conta que teve três meses a fazer pequenos "biscates" para se manter porque não conseguia arranjar um emprego e estabilizar-se na ilha. Morador do Bairro de Boa Esperança, este jovem acredita que ainda assim compensa viver numa das ilhas mais turísticas do país.
“Na Boa Vista, se não houver uma rede de apoio torna-se uma situação bastante complicada. Os preços dos produtos, em comparação com a ilha do Maio, são excessivamente elevados. A estratégia é trazer mantimentos de outras ilhas, onde os preços são mais acessíveis, e criar um estoque. O custo da renda das casas apresenta um desafio significativo. Encontrar uma casa com condições adequadas é complicado, visto que, na maioria das vezes, são residências pequenas e sem condições, com preços bastante elevados. Temos de apertar o cinto para levar uma vida razoável, pois o conforto aqui não é acessível, é necessário realizar vários biscates para conseguir levar uma vida normal”, disse.
Na mesma linha, Delci, que reside há um ano na ilha de Boa Vista, destaca que a vida na ilha não é fácil, mas admite que, mesmo sendo desafiador, "não se pode negar" que as oportunidades de crescimento profissional e financeiro são melhores do que em outras ilhas. Inicialmente, Delci trabalhava num dos grandes hotéis da ilha, mas, actualmente, está empregada numa empresa privada que presta serviços no aeroporto. Segundo ela, esse trabalho fá-la evoluir e conquistar estabilidade na ilha das dunas.
“Encontrar emprego aqui não é fácil; é crucial ter conexões e conhecer alguém que possa facilitar, especialmente ao buscar oportunidades em hotéis. Apenas entregar documentos não basta, pois currículos muitas vezes são aceitos, mas negligenciados. Ter conhecimentos e conexões é essencial para conseguir um emprego. A remuneração compensa, mas, sendo uma ilha turística, os preços são mais altos. Boa Vista é uma ilha para trabalhar, embora enriquecer e adquirir bens exijam sacrifícios. Mesmo assim, compensa viver aqui. Natural de Santa Cruz, em Santiago, não penso em voltar, pelo menos aqui tenho um emprego”.
Desafios
Nas duas ilhas turísticas abordadas nesta reportagem, os entrevistados destacam a facilidade de socialização como um elemento marcante. Contudo, dentre os desafios significativos, ressalta-se o aumento da inflação, não acompanhado pelo correspondente aumento nos salários. Essa disparidade resulta em uma perda substancial do poder de compra das pessoas, reflectindo-se de maneira expressiva na redução considerável do nível de vida durante este período que foi denominado como o "pós-pandemia".
A escalada dos preços, sem o devido ajuste salarial, cria um cenário desafiador, impactando directamente nas condições financeiras e na qualidade de vida dos habitantes dessas ilhas. Este contexto pós-pandémico revela a necessidade urgente de abordar questões económicas para mitigar os efeitos adversos sobre a população, visando restaurar e elevar os padrões de vida para além dos desafios apresentados.
“Acredito firmemente na necessidade de um plano de ajuste dedicado às ilhas turísticas. Hoje, com o mesmo salário de antes, lidamos com dificuldades adicionais devido ao aumento dos custos. A meu ver, o governo deveria disponibilizar incentivos aos jovens para os ajudar a manter-se. É crucial considerar que muitos desses jovens são recém-formados, atraídos para as ilhas em busca de estágios profissionais. Um incentivo adicional seria benéfico para evitar que esses jovens desistam da formação e os motive a contribuir activamente para a economia local”, realçou Lara Alexandre, uma jovem natural de Assomada, ilha de Santiago, estagiária na ilha do Sal.
Lara acrescenta ainda que embora a Cidade da Praia seja a capital do país, é crucial reconhecer que Sal e Boa Vista desempenham um papel vital como a “carteira financeira” do país. Portanto, na sua percepção, é necessário que sejam consideradas e apoiadas de maneira adequada, reconhecendo a sua contribuição significativa para o desenvolvimento económico do país.
Por sua vez, Carlos Márcio Semedo, de 31 anos, natural de São Domingos, ilha de Santiago, residente há seis anos na ilha da Boa Vista, considera que a ilha é um destino para quem busca oportunidades de trabalho e ganho financeiro, mas torna-se desafiador quando, além do emprego, a pessoa procura conforto, lazer e convívio familiar.
Esse jovem, que desempenha diversas funções na ilha, relata que os preços dos produtos são elevados, assim como a renda de casa. Além disso, os custos da água e energia eléctrica não são convidativos. Carlos detalha que, inicialmente, a maioria dos migrantes sente a necessidade de ter um colega ou mais para compartilhar as despesas. A observação que faz é que os preços são sempre o dobro do que encontramos na cidade da Praia.
“Durante a pandemia, muitos retornaram para suas ilhas de origem devido a altos preços mesmo nesse período desafiador. Apesar de contarmos com segurança e oportunidades de emprego, acredito que o que falta são políticas específicas para que os jovens possam estabelecer e desenvolver ideias de negócios. Sendo uma ilha turística, o foco geralmente está em trabalhar em hotéis ou em actividades relacionadas ao turismo. Embora isso seja positivo, seria ainda melhor se o governo apoiasse os jovens e incentivasse o empreendedorismo. Essa seria uma maneira eficaz de garantir resiliência económica em situações como a pandemia de Covid-19, evitando colapsos significativos na economia”.
O Sociólogo Henrique Tomaz Varela explica que o fenómeno da migração para as ilhas turísticas do Sal e Boa Vista é comum, pois as pessoas, em primeiro lugar, sentem uma curiosidade em aventurar-se e descobrir novos horizontes, muitas vezes impulsionadas por uma vontade psicológica. Por outro lado, quando as condições locais não oferecem muitas opções atractivas e de progresso, as oportunidades nas ilhas turísticas surgem como vantajosas, proporcionando a possibilidade de aumentar o rendimento familiar e até de auxiliar outros parentes. “Trabalhar nessas ilhas turísticas apresenta várias vantagens, como o ganho de conhecimento e abertura para o exterior, a apreciação de novas culturas e tradições, fornecendo, assim, uma visão mais ampla da realidade. Por outro lado, há desvantagens, como a separação temporária das famílias, a perda de vínculos afectivos familiares e, por vezes, até mesmo a formação de uma nova família. O desejo de outras pessoas em buscar oportunidades, mesmo sem garantia de uma adaptação bem-sucedida nas ilhas turísticas de destino, é visto como um desafio que trará retorno no futuro”. As ilhas do Sal e da Boa Vista destacam-se pela economia turística, impulsionada por praias atractivas e infraestruturas desenvolvidas. Essa indústria é vital para empregos e receitas nas duas ilhas. A sociedade reflecte diversidade cultural, com influências africanas e europeias, fruto da convivência entre locais e migrantes. No entanto, a dependência excessiva do turismo cria desafios económicos, tornando-as vulneráveis a flutuações globais. Questões como a sazonalidade do turismo e a necessidade de diversificação económica representam desafios a serem enfrentados para garantir a sustentabilidade a longo prazo.<br>