Data de encerramento do campo do Tarrafal divide opiniões
SOURCE: [Expresso das Ilhas]
Logo após o 25 de Abril em Portugal, um dos compromissos assumidos pelo Movimento das Forças Armadas (MFA) foi o da libertação dos presos políticos do Campo de Chão-Bom no Tarrafal, onde permaneciam detidos catorze cabo-verdianos, dois guineenses e cinquenta angolanos.
No dia da revolta, relata a investigadora portuguesa Sandra Maria da Cunha Pires na sua tese de Doutoramento, “a segurança à volta do campo é reforçada com dispositivos militares e policiais e dias depois verifica-se novo reforço com armas pesadas, conforme o previsto no Protocolo do MFA: as instalações prisionais de qualquer natureza, onde, até ao momento, se encontrem presos políticos, serão ocupadas pelas Forças Armadas”.
Cinco dias depois, a 30 de Abril, os presos presentes no campo são informados que a sua libertação pode acontecer no dia seguinte.
Jaime Schofield, entrevistado por Ana Mouta Faria, citada por Sandra Maria da Cunha Pires, recorda a concertação entre o MFA e PAIGC.
“Mobilizámos, pessoas, viaturas, carros… Mas não sabíamos [...] qual era a profundidade, a repercussão da ideia da mobilização. O que é certo é que toda a [ilha de] Santiago esteve à volta do campo de concentração. Foi [uma] coisa jamais vista! A grande manifestação popular é uma coisa impressionante. [...] toda a população à volta do campo de concentração, até à libertação. [...] os militantes do PAIGC estavam lá. Com o Jorge Querido à cabeça, porque ele é que representava Santiago junto do PAIGC. Mas foi uma ebulição [...] que teve impacto”.
Sandra Maria da Cunha Pires recorda que esta foi, também, a primeira acção concertada entre o MFA e elementos do PAIGC o qual, no dia da libertação (1 de Maio), mobilizou e concentrou um elevado número de manifestantes em frente ao campo de Chão Bom para assistirem à saída de quase sete dezenas de prisioneiros.
1º de Maio de 1974 ou 7 de Junho de 1975?
O 1º de Maio ficaria assim marcado como sendo o dia oficial da libertação dos prisioneiros do campo do Tarrafal.
O jurista Eurico Pinto Monteiro, no entanto, tem uma visão diferente sobre o tema.
“O encerramento definitivo da ala do (juridicamente) Campo de Trabalho do Tarrafal, ou do (politicamente) Campo de Concentração do Tarrafal, destinada a presos políticos, teve lugar no dia 7 de Junho de 1975 e não a 1 de Maio de 1974”, refere.
“Tal narrativa não corresponde à verdade no que tange à data do encerramento!”, defende o jurista.
“Sabe-se que uma das primeiras e principais medidas delineadas pelo Movimento das Forças Armadas e pelas Forças Armadas Portuguesas locais foi a libertação dos presos políticos do Campo de Chão-Bom no Tarrafal, onde permaneciam detidos catorze cabo-verdianos, dois guineenses e cinquenta angolanos, em cumprimento do Decreto-lei 173/74, de 26 de Abril, da Junta de Salvação Nacional, que decretava a amnistia dos crimes políticos, cuja interpretação foi aclarada pelo delegado do Procurador da República em S. Vicente, Custódio Simões, conjuntamente com os advogados Arlindo Vicente Silva, Felisberto Vieira Lopes e David Hopffer Almada”.
Para sustentar a sua opinião, Eurico Pinto Monteiro relembra que a 17 e 18 de Dezembro de 1974 foram detidas 72 pessoas em todo o país que foram posteriormente encaminhadas para Tarrafal.
Nos “tristes eventos de 17 e 18 de Dezembro de 1974, da responsabilidade das autoridades militares portuguesas (Movimento das Forças Armadas e Forças Armadas Portuguesas), com o aval do Alto-Comissário [de Cabo Verde], resultaram a prisão, ilegal e arbitrária, de setenta e dois indivíduos, sobretudo nas ilhas de Santiago e São Vicente, mas também em Santo Antão, Fogo, Brava e Sal, que ousaram ter ideia outra sobre o processo de descolonização preconizado pelo PAIGC”.
Desse total, “cinquenta e oito foram internados na prisão do Tarrafal de cuja ala da prisão destinada a presos políticos foi reaberta para o efeito pelas autoridades coloniais portuguesas, com autorização do Alto-Comissário de Cabo Verde”.
Do total de detidos no Tarrafal “foram libertados trinta e nove até à data da independência, com excepção de dezanove deles que foram transferidos, num avião militar, para a prisão de Caxias, em 7 de Junho de 1975 e aí abandonados à sua sorte”.
Sandra Maria da Cunha Pires recorda estas detenções: “As manifestações contra a PIDE/DGS ou de ‘caça aos Pides’ terão ocorrido em dois momentos bem separados no tempo: um primeiro nos dias subsequentes ao 25 de Abril prolongando-se pelo mês seguinte, sem registo de detenções; e um segundo no início de Dezembro, das quais resultaram 72 indivíduos presos, embora se chegue a afirmar que estes detidos pertenciam aos partidos rivais do PAIGC”.
“Na sua maioria, as capturas foram efectuadas sob a acusação de «provocadores em nome de grupos políticos não reconhecidos» à excepção de oito delas cuja justificação mencionava expressamente terem sido informadores da PIDE/DGS”, acrescenta a investigadora portuguesa.
39 presos acabariam por ser libertados e outros 19 transferidos para Portugal, em 11 de Junho de 1975. Além disso, “foram transferidos para o foro civil os processos relativos a 10 indivíduos”.
Na tese, Sandra Maria da Cunha Pires refere que “facilmente identificámos alguns destes nomes como afectos a partidos cabo-verdianos sem ligação ao PAIGC, como Ângelo Lima, Aires Leitão da Graça e António Gumersindo Ribas Chantre”.
O campo do Tarrafal só seria oficialmente extinto pelo primeiro Governo da República, liderado por Pedro Pires, sendo Ministro da Justiça David Hopffer Almada, “através do Decreto-Lei nº 3/75, de 19 de Julho”, refere Eurico Pinto Monteiro.
“Fica assim demonstrada que a ala da prisão do Tarrafal destinada a presos políticos não foi encerrada no dia primeiro de Maio de 1974, como pretende o Governo, com libertação dos presos políticos, que lutavam pela independência dos seus países, mas, sim, a 7 de Junho de 1975, com a libertação dos presos políticos que não concordavam com o projecto político de Independência de Cabo Verde preconizada pelo PAIGC”, defende o jurista.