Cabo Verde: Entre as Ondas de Delitos e o Desprezo pelas Ciências Forenses e seus Experts
SOURCE: [Expresso das Ilhas]
Praias paradisíacas e um clima ameno atraem turistas em busca de descanso, mas, por trás da fachada turística, comunidades locais enfrentam uma realidade mais áspera. Crimes como roubo, tráfico de drogas e violência doméstica são preocupações recorrentes. Em áreas urbanas como Praia e Mindelo, a presença de gangues e o tráfico de drogas desafiam as autoridades, muitas vezes sobrecarregadas e com recursos limitados, enquanto o colarinho-branco continua a comprometer a confiança no sistema de justiça.
A formação nas áreas da ciência forense, surgiu nas universidades do país, com destaque da Criminologia, a partir da crescente demanda por profissionais especializados que pudessem contribuir para a segurança pública e a justiça criminal no país. Com o aumento das preocupações com a criminalidade e a necessidade de estratégias eficazes para enfrentá-la, o curso foi estabelecido para formar especialistas capazes de analisar e propor soluções para questões criminais. Muitos cidadãos procuraram este curso não só para conseguir empregos, mas também para contribuir com a segurança pública do país, especialmente os profissionais das forças de segurança. Contudo, no final, muitos se viram profundamente desapontados.
Terminar uma graduação e não encontrar oportunidades profissionais é um desafio em Cabo Verde, mas isso não deveria ocorrer em algumas áreas de alta demanda. A necessidade de criminologistas é restrita devido ao tamanho do mercado, mas não pelas necessidades específicas do país. A criminologia em Cabo Verde ainda não é amplamente reconhecida como uma profissão essencial, limitando as oportunidades de emprego para os graduados dessa área. Em Cabo Verde, há uma tendência de priorizar áreas de estudo mais tradicionais e com maior demanda percebida, como direito, medicina e engenharia. A falta de programas robustos de estágio e experiência profissional dificulta a transição dos graduados para o mercado de trabalho.
O desprezo pelo uso das ciências criminais pode levar a uma falta de compreensão profunda dos padrões criminais, das causas subjacentes aos crimes e das melhores práticas para prevenção e intervenção. As políticas públicas e estratégias de aplicação da lei podem ser menos eficazes se não estiverem fundamentadas em princípios científicos sólidos. Isso pode resultar em recursos mal direcionados e baixa eficácia na redução da criminalidade. Além disso, sem entender plenamente as dinâmicas criminais, é difícil implementar medidas eficazes para prevenir e combater o crime. A falta de aplicação das ciências criminais e as decisões tomadas com base em intuições, em vez de evidências científicas sólidas, podem contribuir para um aumento da criminalidade, da desigualdade e da injustiça no sistema de justiça criminal.
Recentemente, muito se tem falado sobre a chegada de um novo curso das ciências forenses em Cabo Verde: o mestrado em Ciências Policiais. Espera-se que, como a Criminologia, este curso não venha apenas para tirar férias. É um curso que interessa muito a Cabo Verde e aos cabo-verdianos, especialmente aos elementos das forças de segurança. No entanto, devido à pouca morabeza com que a Criminologia foi recebida, o sucesso do mestrado parece estar comprometido, a menos que o Estado e as instituições façam um esforço para incentivá-lo com estímulos verdadeiramente credíveis. Este mestrado será um grande desafio para as forças policiais, que talvez precisem alterar o próprio estatuto para criar condições com garantias efetivas, incentivando seus membros a procurar o curso. O papel das ciências policiais no combate ao crime envolve uma série de atividades essenciais, como investigação criminal, coleta de provas, análise forense, aplicação da lei e prevenção de crimes. Essas disciplinas são fundamentais para entender padrões criminais, identificar suspeitos e garantir que as leis sejam aplicadas de maneira justa e eficaz. Além disso, as ciências policiais continuam a evoluir com novas tecnologias e metodologias para enfrentar os desafios contemporâneos da criminalidade.
Por outro lado, policiais que investirem numa formação dessa envergadura, sacrificando patrimônio e tempo com a família, caso não sejam reconhecidos por parte da instituição, podem experimentar desmotivação, o que afeta a moral e reduz a eficácia geral da força policial. Por conseguinte, o Estado de Cabo Verde e as forças de segurança têm de demonstrar um forte incentivo para que tanto os cidadãos civis, quanto os policiais se inscrevam no curso, visando à criação de uma elite de profissionais altamente qualificados. Além de oferecerem bolsas de estudos, as autoridades devem planejar e implementar promoções automáticas para os policiais que concluírem o mestrado, incentivando ainda mais a adesão ao curso. Esta iniciativa visa não apenas melhorar a competência técnica dos agentes, mas também fomentar um ambiente de valorização e reconhecimento profissional dentro das forças de segurança.
Apesar desses desafios, há esperança. Iniciativas locais e internacionais buscam fortalecer as comunidades através de programas educacionais, esportivos e culturais, oferecendo alternativas positivas para a juventude. A polícia trabalha para melhorar a segurança pública, enquanto esforços para promover transparência e responsabilidade estão em curso.
Cabo Verde, com suas contradições entre o esplendor natural e os desafios sociais, reflete um microcosmo de muitas nações em desenvolvimento. À medida que enfrenta sua luta contra a criminalidade, o país também revela uma resiliência que emerge da rica herança cultural e da determinação de seu povo.
Com uma abordagem mais integrada e valorização das ciências criminais, Cabo Verde pode transformar seus desafios em oportunidades, construindo um futuro mais seguro e justo para todos.”
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1180 de 10 de Julho de 2024.