Qual é, neste momento e na sua opinião, o estado actual da economia cabo-verdiana?

Estamos ainda a sair de um grande esforço, da recuperação económica, mas já a entrar nos eixos. Apesar de termos acompanhado a economia global e o seu crescimento em desaceleração de 2023 para 2024, em Cabo Verde, pelo menos pelos dados do primeiro trimestre, há indicações de um crescimento muito favorável, à volta de 10%, o que é de facto muito bom. Claro que se espera, para o ano todo, uma estabilização à volta de 4,7% a 5% do PIB. Mas os desafios são constantes e são grandes. Em certos sectores, é preciso uma aposta muito forte. Portanto, os desafios começam com essa aposta forte, através das políticas. Já há políticas desenhadas, já há um alinhamento também entre as políticas económicas de Cabo Verde e os parceiros internacionais – os financiadores internacionais – e isto é positivo. Há alinhamento, há políticas, há sectores definidos: a economia azul e verde, a pesca sustentável, a indústria, a inovação, a conectividade, a infra-estruturação urbana, sectores definidos para diversificar a economia para além da oferta turística.

Não podemos ficar só no turismo e nas clássicas remessas dos emigrantes, mas também temos de saber produzir mais e diversificar mais. Havendo políticas, temos de cuidar da implementação. E na implementação é preciso haver sempre uma taxa de execução. Muitas vezes a nossa taxa de execução é moderada, não há um cuidado, nem em mecanismos, para se implementar de forma mais eficiente e mais rápido as políticas. Às vezes, como disse, há tudo desenhado, há programas, há financiamento, mas é preciso executar todos os projectos, todos os programas que existem. Os prazos são fundamentais e não devemos deixar que qualquer projecto demore anos em execução.

Acha que os políticos e os empresários falam línguas diferentes?

Penso que não, a execução é que é diferente. Não tem havido uma articulação e uma harmonia entre aquilo que são os programas, aquilo que são os projectos, os discursos e depois a prática. O pensamento é igual sobre como pôr a economia a funcionar, a participação dos privados, os processos de privatização, mas depois a prática não é coincidente. Muitas vezes o que sentimos são factores de bloqueio, são factores retardadores, são interesses que, às vezes, não são convergentes, coisas que impedem o normal desenvolvimento dos projectos ou o normal alinhamento. Mas o discurso, se formos ver, é um discurso que nos agrada, é um discurso com o envolvimento do sector privado em toda a actividade económica, é verdade, mas temos de passar agora do discurso para a prática. Se formos ver, em termos do Business Ready do Banco Mundial, não saímos do lugar 137 [O Business Ready (ou, B-READY), é o novo relatório corporativo emblemático do Grupo Banco Mundial, fornece uma avaliação quantitativa do ambiente de negócios a nível global, para apoiar o desenvolvimento do sector privado. Todos os anos, o projecto mede a qualidade do quadro regulatório, a prestação de serviços públicos de apoio às empresas e aos mercados, e a eficiência com que são combinados na prática]. Cabo Verde fica sempre a tentar crescer e não consegue. Porquê? Porque exatamente a nossa taxa de execução, a implementação de políticas, leva muito tempo. E, às vezes, o tempo dos políticos não é o tempo do sector privado. Ou melhor dizendo, o tempo do sector privado não pode ser o tempo dos políticos. Enquanto um privado quer fechar um processo, porque tem uma oportunidade, nem sempre essa mesma oportunidade é vista do lado da administração pública da mesma forma.

Saiu este ano o inquérito da PwC, onde pela primeira vez Cabo Verde, os CEOs cabo-verdianos foram ouvidos e entre os principais desafios referidos estavam a regulação, as faltas de competências e o acesso ao financiamento. No Barlavento, quais são, neste momento, os principais desafios?

Os principais desafios têm sempre a ver com uma administração fiscal mais flexível. É preciso ter estabilidade fiscal. Ela, de certa forma, existe, mas a interpretação tem que ser homogénea, tem que ser igual em todo o território nacional e tem que ser também sempre flexível para facilitar o sector privado. De referir também, entre os principais desafios, sempre, sempre, o acesso ao financiamento. Neste momento, estamos a trabalhar com um banco, precisamente para aumentar o acesso ao crédito, não só para grandes projectos, mas principalmente para micro e pequenos empresários. Estamos a trabalhar até um protocolo com um banco, para divulgar, para dar acesso, para facilitar, para instruir os processos. Para sermos a ponte entre o microempresário, os micro projectos e a banca, para facilitar o acesso ao financiamento, que é um problema crónico, em Cabo Verde, aceder ao dinheiro.

Há relativamente pouco tempo alertou os empresários para valorizarem mais os trabalhadores. Acha que há ainda um longo caminho a percorrer?

Sim, sim. Temos que ter respeito pelas pessoas, respeito pelos trabalhadores. Tem que haver, de facto, uma conformidade empresarial muito forte. A conduta das empresas e a sua adequação às normas, à regulação de uma forma geral, é importante. Estamos num mundo competitivo, estamos num mundo global. Se um trabalhador não se sente bem aqui, rapidamente vai procurar emprego num outro sítio, num outro país, numa outra geografia. A partir do momento em que estamos num mundo global e em que temos concorrência todos os dias, os empresários e as empresas têm que cuidar das equipas, da liderança das equipas, têm que apostar em horários flexíveis, priorizar tarefas importantes, têm que incentivar um bom ambiente de trabalho, um ambiente de qualidade, têm que promover também uma comunicação assertiva, uma comunicação séria, uma comunicação transparente, garantir mecanismos de feedback aos trabalhadores. É importante dar a formação contínua e criar, no fundo, melhores condições de trabalho. As condições de trabalho não passam só e apenas pelo salário, também passam por tudo o que referi. Hoje, as empresas não podem pensar só nelas e não podem pensar só em multiplicar resultados. Porque quem faz os resultados são as pessoas. Se cuidarmos delas, e se elas estiverem inseridas num bom ambiente de trabalho, naturalmente vamos ter mais produtividade e tendo mais produtividade as empresas vão ganhar mais, que no fundo é o objectivo principal das empresas. Por isso é que nós chamamos sempre a atenção aos nossos associados, para que as empresas tenham esta consciência de estarmos inseridos no mundo global, por isso temos de cuidar, temos de ser competitivos e para sermos competitivos temos de cuidar de todos os factores que contribuem para o bem-estar dos trabalhadores.

Até porque, geralmente quando se fala de produtividade, ou da falta dela, a culpa geralmente cai sempre do lado do trabalhador, mas os gestores não podem ser desresponsabilizados.

Não. É o sistema, tem de ser o sistema completo. No fundo, a produtividade para existir precisa que seja mensurada e analisada. Para analisarmos a produtividade, temos que ter aquilo que temos a oferecer versus os recursos que são necessários. Ora, muitas vezes as empresas também não dispensam todos os recursos que são necessários. Os recursos humanos, os recursos financeiros, os equipamentos. E se isto não existir, não há trabalhador no mundo que seja produtivo. Portanto, é preciso haver uma combinação da estratégia da empresa, da liderança das equipas e condições de trabalho com recursos disponíveis para que haja o aumento contínuo da produtividade. Quando falamos da produtividade, de facto, pensamos logo que o trabalhador está a trabalhar menos. Não, se calhar, se o trabalhador tiver outras condições e tiver outros recursos, pode trabalhar mais, por isso é que é importante as empresas mensurarem e analisarem todos os factores que compõem a produtividade, do lado das empresas e do lado de quem produz, portanto, dos trabalhadores.

Um dos instrumentos disponíveis para os investidores, nos anos mais recentes, é o Cabo Verde Investment Forum. É com expectativa que os empresários esperam a realização dos negócios que ainda só estão no papel?

Sim, naturalmente. Claro que nem todos os projectos ou ideias vão avançar, porque muitos são eventualmente ideias de projecto, ou seja, uns conseguem progredir e outros nem por isso. Mas o mais importante disto tudo é que há um grande interesse para Cabo Verde. Quando analisamos o Cabo Verde Investment Forum, o que temos de ver, em primeiro plano, é o grande interesse dos financiadores internacionais, dos investidores, dos promotores de negócios, por Cabo Verde. E quando há interesse, isso quer dizer sempre alguma coisa, quer dizer que o país tem potencial, que o país está inserido num espaço geográfico que pode potenciar negócios, que há políticas, que há estabilidade social e política, que há segurança, que há factores que fazem com que os investidores digam: ‘sim senhor, este país é de interesse, vou lá, vou ver, tenho projectos, que se forem implementados terão impactos positivos no país e no seu crescimento económico’.

Estamos a falar no contexto do debate sobre o Estado da Nação. Gostava de ver um debate que fosse para lá da situação a dizer que está tudo bem e a oposição a dizer que está tudo mal?

É verdade que nem tudo está bem e nem tudo está mal. O debate político é diferente, é feito numa lógica de um dizer que está tudo bem e outro dizer que está tudo mal, mas na verdade não é assim que pensam os homens de negócios. O que gostamos de ver é aquilo que está bem reconhecido e que o que falta melhorar tenha propostas. Não é só dizer que está mal, mas, se está mal o que é que nós podemos fazer para melhorar? E não assistir sempre ao ‘bota abaixo’. É preciso cuidar das coisas, mas numa perspetiva construtiva. Em Cabo Verde sentimos, às vezes, que não há esse sentimento de construção, esse sentimento de união para crescer. E isso faz diferença, porque podíamos, eventualmente, estar melhores se houvesse uma união de esforços entre quem governa e quem faz a oposição para que as coisas melhorassem, mas nem sempre isto acontece.

Se pudesse enviar uma mensagem seria essa? Que os políticos trabalhassem mais em conjunto?

Exactamente. É evidente que a responsabilidade de governar cabe ao governo. Há um programa que foi sufragado. Mas depois temos o sistema político, composto pelo governo, pelo primeiro-ministro, pelos ministros, o Parlamento, os deputados, a Presidência da República, o Presidente da República, ou seja, se o sistema político estiver a carburar bem, melhor será para o país, isto é evidente. Agora, se tivermos sempre um sentimento de extremos, de rupturas, de politiquices, emperramos o desenvolvimento. A minha mensagem é que o sistema político, todo, deve estar alinhado com as preocupações das famílias, das empresas, do mercado, para gerar bem-estar e melhores condições de rendimento para todas as famílias e todas empresas.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1180 de 10 de Julho de 2024.