"A grande capacidade dele era transformar conceitos complexos em ideias simples que podiam ser apreendidas por todos, mesmo por um analfabeto", refere Pedro Pires, em entrevista à Lusa, a propósito do centenário de Amílcar Cabral, que se celebra este ano.

 

No contexto de luta, na Guiné-Bissau, "era importante ter essa capacidade de comunicar e essa preocupação pedagógica: não dava para ter um discurso erudito para mostrar conhecimento, era fundamental ter um discurso operacional".

Cabral tinha noção das diferenças de instrução nas fileiras do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), do secretariado, em Conacri, até às frentes de combate, nas zonas libertadas, onde Pedro Pires era comandante.

A capacidade de Cabral, diz, era um trunfo para a luta de libertação, uma mais-valia alinhada com a forma aberta como lidava com todos.

"Não havia a perspetiva do líder e do subordinado", diz Pedro Pires, recordando a sua experiência pessoal, desde que, de 1961 em diante, conviveu com Cabral -- primeiro em Conacri, onde estava sedeado o secretariado-geral do Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC).

Depois, em África e em vários outros palcos internacionais (Dacar, Paris, Moscovo, Havana, entre outros), em diversas situações, Pedro Pires descreve Amílcar Cabral como um líder "capaz de influenciar positivamente" aqueles com quem estava.

"A comunicação era fácil" e era uma relação de "companheiros, camaradas", ligados por um ideal, como também o mostram diversas cartas trocadas entre ambos, por exemplo, com Cabral em Conacri e Pedro Pires na frente sul da Guiné.

Hoje, há muita coisa que se passa na política e que é incompreendida pela população, refere Pedro Pires.

"Não sei se os discursos são suficientemente compreendidos" ou se os políticos, os líderes têm essa "preocupação".

"Fala-se muito, mas diz-se pouco", assinala Pedro Pires, considerando que chega a haver "uma linguagem quase que codificada, que as pessoas não compreendem".

Um cenário ainda mais complexo na atualidade, porque coloca-se também a questão da sinceridade e saber se "as pessoas querem trabalhar com verdades ou manipulações".

A atualidade do pensamento de Cabral tem sido um dos focos em diversas iniciativas que este ano celebram o centenário do nascimento do libertador.

Pedro Pires preside à Fundação Amílcar Cabral, que tem servido de entidade agregadora de comemorações do centenário, em Cabo Verde e no exterior, e diz-se "surpreendido" com tudo o que tem sido promovido.

Desenvolvidas desde 2022, as iniciativas aceleraram em janeiro, com uma peça de teatro - "A Última Lua do Homem Grande", pelas companhias Sikinada Cabo Verde e Art'imagem de Portugal -, e já incluíram também música, marchas e debates.

Os debates têm tratado temas da política à agronomia, passando pelo desporto, mostrando a multidisciplinaridade de Cabral.

Pedro Pires refere que um dos momentos especiais será o simpósio binacional a decorrer por altura do centenário, 12 de setembro, com agenda na Praia, Cabo Verde e em Bissau.

Amílcar Cabral celebraria 100 anos a 12 de setembro de 2024, decorrendo atividades em diferentes países para assinalar a efeméride.

Em Cabo Verde, várias comemorações estão associadas à Fundação Amílcar Cabral e incluem um colóquio internacional sobre o líder histórico, a realizar em setembro, como ponto alto do programa.

Leia Também: Cabo Verde. Pedro Pires aplaude centenário do "libertador" Amílcar Cabral

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