O mundo é hoje cada vez mais multipolar e isto traz consequências importantes para o modo como os países se relacionam entre si. Ao desafiar um sistema assente no primado do Direito Internacional que visa regular as relações internacionais com base em princípios estáveis, transparentes e aplicáveis a todos os países, a multipolaridade complexa que hoje vivemos acentua linhas divisórias e relações de força, aumentando a desconfiança e o potencial de conflito. Infelizmente, isto coincide com uma polarização crescente em muitas sociedades e com o recrudescimento de populismos de toda a espécie. Num mundo tão interligado como é o nosso, crises e conflitos propagam-se rapidamente, contagiando vizinhos e podendo atingir dimensão regional ou global.

Só uma coligação de defensores do multilateralismo e dos seus valores pode preservar a cooperação necessária para enfrentar uma realidade tão complexa. Uma coligação que promova uma visão comum sobre o modo de enfrentar tanto ameaças tradicionais como riscos emergentes, por exemplo os que decorrem da transformação digital e tecnológica, das alterações climáticas e da transição demográfica que atravessamos à escala planetária. Uma coligação que possa, sem demagogia, contrariar a instrumentalização do fornecimento de alimentos ou de energia, assim como das migrações, como formas de pressão; e que exponha, sem hesitação, narrativas falsas e combata a desinformação. Com efeito, todos estes fenómenos influenciam a estabilidade dos países e a paz e segurança internacionais e, para enfrentá-los, União Europeia e parceiros como Cabo Verde têm interesse em coordenar a sua ação e intensificar a cooperação em temas que afetam a sua segurança.

Cabo Verde tem revelado uma resiliência secular, sendo hoje uma democracia madura onde o Estado de Direito e o respeito pelos direitos humanos se encontram assegurados e sendo um exemplo de estabilidade na região. A meio caminho entre a Europa e a América Latina, o País situa-se na encruzilhada de algumas das principais rotas de navegação mundiais. A sua dimensão marítima é, aliás, essencial tanto nas relações externas como no plano interno, dada a ambição do País de desenvolver a Economia Azul e sua extensa Zona Economica Exclusiva. Porém, do mar provêm também ameaças e riscos – incluindo tráficos ilícitos como o narcotráfico, mas também a pesca ilegal, não regulamentada e não declarada ou potenciais ameaças a infra-estruturas críticas como cabos submarinos e portos ou ainda riscos ambientais como a poluição e a perda de biodiversidade.

Uma actuação isolada ou que não considere as interconexões dos vários riscos não permite enfrentar eficazmente a maioria deste desafios. Por isso, é essencial a colaboração entre parceiros de confiança. Ao longo dos seus mais de quinze anos de existência, o pilar “Segurança e Estabilidade” da Parceria Especial entre a UE e Cabo Verde produziu já resultados notáveis, com destaque para o reforço da presença de navios de marinhas europeias em àguas sob jurisdição caboverdiana, através das Presenças Marítimas Coordenadas. Este é um instrumento da UE que permite a coordenação, numa base voluntária, de meios navais e aéreos dos nossos Estados Membros e que , além da partilha de conhecimentos e informações e da promoção da cooperação, assegura uma presença europeia dissuasora de ameaças actuais e potenciais.

A União Europeia é também um forte apoiante dos esforços dos Estados costeiros do Golfo da Guiné para fazer face a desafios regionais, em particular os que comprometem a segurança marítima e a boa governação dos oceanos. Foi com este espirito que apoiámos a instalação na Praia do Centro Multinacional de Coordenação Marítima, cuja inauguração em Janeiro passado completou a Arquitetura de Yaoundé. Está, assim, criado um quadro que possibilita o reforço das capacidades regionais, podendo ancorar futuras ações de cooperação europeias.

Em contrapartida, Cabo Verde tem-se mostrado um parceiro valioso na segurança da região do Golfo da Guiné, área considerada como de “interesse especial” para a UE. Neste âmbito, o País contribui de forma significativa no combate a tráficos ilícitos que têm a Europa como destino final ou que ajudam a financiar o crime organizado internacional e redes terroristas em África. Além disso, tomou a decisão de participar na Missão de Treino da UE em Moçambique, tornando-se o primeiro parceiro africano a participar numa missão militar da União Europeia.

Queremos ouvir mais os nossos parceiros. Por isso, convidámo-los a participar na segunda edição do Fórum Schuman de Segurança e Defesa, o principal evento de alto nível organizado pela UE para debater temas nos domínios da paz, segurança e defesa que decorre em Bruxelas, a 28 e 29 de maio. Este será um momento de diálogo importante entre a União Europeia, os seus 27 Estados Membros e parceiros como Cabo Verde. O objectivo é o de explorar vias para uma cooperação reforçada naqueles domínios. Confiamos que este Fórum constituirá um marco na nossa cooperação com Cabo Verde.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1174 de 29 de Maio de 2024.