Quando é que a Cegid percebeu que estamos num outro patamar e que as pessoas esperam que se leve a gestão empresarial e as soluções de software a esse outro nível?

A Cegid tem uma verdadeira, deixe-me dizer, obsessão em ser uma empresa cliente-cêntrica. Nós aprendemos e evoluímos os nossos produtos através da relação que temos com os nossos clientes. Esta obsessão fez-nos dar um salto para um patamar superior, utilizando as tecnologias que se estão a lançar no mercado, como é a IA ou, no nosso caso, a IA generativa. Basicamente, o que se pretende é que, através dos processos que utilizam os clientes, com as soluções e aplicações que utilizam nos seus negócios, ajudar a resolver muitas das tarefas repetitivas do dia-a-dia, simplificando-as ou autonomizando-as. É um salto qualitativo importantíssimo, que vai permitir às empresas tomarem decisões ao mais alto nível, de forma muito mais precisa.

No fundo, a IA vai trabalhar com informação que já lá estava, fornecendo insights.

Um dos exemplos é este. Aquilo que num Excel poderíamos demorar cinco a dez minutos a conseguir, com uma instrução [através de IA generativa], temos resultados em segundos. É um salto importantíssimo.

O que é que isso significa para as empresas? Ganhos de produtividade…

Significa, de alguma maneira, poupar. Significa ir à frente da concorrência, quando se tomam decisões. São vantagens competitivas enormes, num mundo cada vez mais globalizado e mais digitalizado. Um mundo que está a acontecer de forma rápida.

Quais são os riscos?

Esta é uma evolução tecnológica importante, mas ainda existe, e temos de olhar para isto de forma muito mais consistente, uma brecha entre os conhecimentos do utilizador e [o potencial] da aplicação e das ferramentas que estamos a entregar. A Cegid está a trabalhar para que haja um equilíbrio.

Vocês falam de eficiência, mas também de criatividade. De que forma é que a IA aplicada à gestão de empresas pode melhorar a criatividade dessas empresas?

A criatividade, que é um conceito absolutamente relevante no mundo da tecnologia e das empresas, é basicamente o que vai definir a diferenciação entre uns e outros. A capacidade que tenham, não só as soluções tecnológicas, mas também as pessoas, é o que vai permitir a diferenciação entre empresas, os seus processos, os seus recursos.

Dois dos grandes activos que fazem diferença na economia actual: informação e tempo. A capacidade de recolher e interpretar dados, no menor espaço de tempo possível. Algo que a IA pode ajudar a desbloquear…

A IA não só ajuda a desbloquear isto, mas também vai ser, como dizíamos antes, um elemento de diferenciação importante. O tempo é um factor crítico dentro das decisões de uma empresa. O factor tempo é eficiência, é produtividade, é competitividade dentro do próprio negócio.

Falamos de empresas e IA, mas também podemos abordar este tema na perspectiva fiscal, na relação do Estado com as empresas. É possível que também desse ponto de vista estejamos no início de uma revolução?

As administrações públicas, neste caso a administração pública de Cabo Verde, mas também de Portugal e dos países onde temos presença, têm uma verdadeira necessidade de digitalizar todos os seus processos com os contribuintes. Estamos a vê-lo com o SAF-T, estamos a vê-lo, também, com o e-Fatura. É preciso integrar os processos de gestão das empresas com a administração tributária do Estado. O Estado tem uma verdadeira vocação para avançar nesse âmbito. Também estamos a trabalhar com os Estados e com as diferentes administrações, porque sabemos que temos de ter uma colaboração intensa para que a interacção entre o Estado e o contribuinte seja absolutamente transparente e dinâmica. Nesse âmbito, a Cegid está a trabalhar com as administrações, para conseguirmos facilitar os processos.

Noutro campo, as ferramentas de IA também poderão acelerar processos de auditoria.

A aplicação desta tecnologia e do seu desenvolvimento a estas áreas pode trazer uma mudança muito significativa, ao facilitar o trabalho, não só das empresas, em verificar que os dados têm uma certeza absoluta, mas também dos auditores, em comprovar que a informação que está a ser servida corresponde ao que dizem os administradores. Estas ferramentas facilitam, sem dúvida nenhuma. Vão ser uma ajuda enorme.

O que é que significou para a vossa empresa esta necessidade de se adaptarem, de mudarem processos, de começarem a pensar as vossas soluções de outra forma?

Quando a Cegid iniciou este processo de expansão mundial, aproximadamente há dois anos e meio, tinha dois objectivos importantes: crescer e liderar cada um dos mercados onde queria estar presente e uma obsessão absoluta por ter todos os produtos na cloud. Houve um processo para melhorar ou ampliar o market share, mas também para adquirir empresas cuja tecnologia adicionasse valor à nossa organização. Neste momento, estamos num processo de racionalização de portfólio. Quando começou este processo, a Cegid tinha absolutamente claro que queria incorporar a IA em todos e cada um dos seus produtos. Decidiu que tinha de ter um campus e esse campus está localizado em Portugal, em Braga. Neste momento, temos 55 pessoas a trabalhar neste âmbito – até final de 2025, serão aproximadamente 150 – incorporando a IA generativa em todas as soluções a nível global.

Houve necessidade de ‘mudar o chip’, para levarem o desenvolvimento das vossas soluções de software mais além? Porque, no fundo, tudo o que diz respeito a IA ainda está muito na fase de se desbravar caminho…

Em parte, é como diz, desbravar o caminho, mas a claridade neste momento é total e absoluta. As vantagens que a IA generativa traz às nossas soluções são tão grandes, que é um caminho irrenunciável, sem voltar atrás.

Falemos um pouco mais sobre a questão da convergência de várias empresas. Foi um processo sem sobressaltos de maior? Até porque aconteceu num período particularmente complicado da economia mundial.

Não é uma decisão fácil, mas foi uma decisão determinante do ponto de vista estratégico e financeiro. A clareza foi absoluta.

Do ponto de vista financeiro, ainda que possamos pensar que somos uma empresa com um potencial enorme, temos de perceber muito bem onde é que fazemos os investimentos e onde é que deixamos de investir. Dentro do nosso portfólio, temos aqueles produtos que, de alguma maneira, já ultrapassaram o seu ciclo e deixamos de investir neles. Por outro lado, vamos investir nas áreas que, para nós, são absolutamente estratégicas. Como dissemos, um dos maiores investimentos é na IA generativa.

Falemos em concreto sobre África e aquilo que o continente representa para a Cegid. Vocês têm uma posição relevante nos países africanos de língua portuguesa onde operam – Cabo Verde, Angola, Moçambique. Como é que estes mercados têm evoluído?

São mercados emergentes, onde há grandes oportunidades de desenvolvimento. Nesses três mercados, estamos a crescer double digit, portanto, o crescimento é muito importante. E também achamos que, no futuro, vão surgir muitas mais oportunidades, especialmente porque são países onde há um desenvolvimento importante, desde o ponto de vista de crescimento, como também de implantação, de novas indústrias, novas empresas, etc.

Os mercados africanos – Cabo Verde, Angola, Moçambique – são, em si, realidades muito distintas. Como é que se trabalha com esta diversidade?

Cabo Verde tem uma maior paridade, do ponto de vista da regulação, com Portugal. Há uma semelhança entre os processos que estão a acontecer em Cabo Verde com os que tinham acontecido no passado, em Portugal. Em Angola e Moçambique há uma diferença, digamos, no timing. Estão a evoluir, mas ainda falta caminho e ainda vamos ter de esperar um pouco mais. Mas significam uma oportunidade.

No caso concreto de Cabo Verde, é um país pequeno, mas onde têm apostado desde há muitos anos…

Venho de visitar um dos clientes mais importantes que temos em Cabo Verde, desde há aproximadamente vinte anos, com um nível de fidelidade máxima, com um nível de satisfação enorme. Os mais de dois mil clientes que temos em Cabo Verde são uma motivação enorme. Outra motivação é que estamos a crescer de forma sistemática nos últimos cinco anos, perto de 20% em CAGR [do inglês, Compound Annual Growth Rate]. Praticamente, multiplicámos por três a nossa facturação desde 2017 até hoje. Somos líderes absolutos neste mercado e a nossa concorrência vai, digamos, bastantes passos atrás de nós. Portanto, essas são as razões do orgulho de estar em Cabo Verde, com uma equipa super profissional, extraordinária, que é a base da nossa posição neste país.

Hoje falámos de IA e do seu impacto na gestão de empresas, que é um tema que há algum tempo nos pareceria distante. Se daqui a cinco anos repetirmos esta conversa, do que é que acha que falaremos?

Daqui a cinco anos, gostaria de dar uma entrevista neste mesmo meio, com alguns dos nossos clientes, a falar das extraordinárias experiências que estão a ter com as nossas soluções [com IA], e como é que isso está a contribuir para a melhoria da produtividade, eficiência e competitividade dos seus negócios.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1174 de 29 de Maio de 2024.