A hora de chegar à frente!
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A hora de chegar à frente!

Entre nós, as eleições autárquicas que se avizinham constituem uma oportunidade histórica de reassumirmos a sempre extraordinária jornada de defesa do nosso destino coletivo! Que todos se apresentem e se manifestem em defesa da sociedade mais justa e de transparência que queremos construir. Cheguemo-nos todos à frente!

1. Cada vez que penso no grave problema da crescente fraca participação política, medida através das elevadas taxas de abstenção que vêm sendo registadas, há um excerto de um poema e um livro que me ocorrem sempre. É o excerto do poema intitulado “No caminho, com Maiakóvski” da autoria do poeta brasileiro Eduardo Alves da Costa e o livro “Jogando boliche sozinho” [“Bowling alone”, no original], do cientista político Norte Americano, Robert D. Putnam;

2. O poeta Eduardo Alves da Costa chama a atenção para o efeito devastador que pode resultar do facto de nós irmos nos silenciando perante as mais diversas situações de ataque e de injustiça do nosso quotidiano. Um silenciamento diante de um aumento progressivo desses ataques e injustiças e que pode nos conduzir ao ponto de já não podermos dizer mais nada. Ao ponto de termos permitido a perda irreversível do direito de protestar e denunciar, ou, simplesmente, falar. Ficamos completa e totalmente manietados, seja por compromissos, conveniências, recortes da realidade; seja, tão somente por covardia e falta absoluta de coragem para enfrentar e mudar; seja, ainda, tão somente, por falta de conhecimento e tomada de consciência da realidade à volta;

3. A estes últimos, aqueles que desconhecem e ignoram os processos sociais de manipulação, construção de narrativas e ataques violentos e antidemocráticos, estes terão de ser perdoados. Na linha da máxima do “Pai, perdoai-lhes, não sabem o que fazem”. Mas, aos supostos “esclarecidos”, a história roga-lhes que desempenhem um outro papel. O de se chegarem à frente, se não como líderes máximos, que seja como líderes intermédios, nos seus locais de trabalho, nos seus círculos de amizade, nos cafés e restaurantes que frequentam, nas praças e condomínios a que pertencem;

4. Já Robert Putnam, cientista político, constrói uma poderosa ilustração do processo de destruição da noção de comunidade, como consequência do crescimento do individualismo. Putnam toma como ilustração a transformação que observa na evolução de práticas sociais à volta do “jogo do boliche” na sociedade americana. Há um declínio que vai desde os tempos áureos em que famílias inteiras se organizavam; grupos diferentes de amigos e vizinhos se juntavam em deslocações coletivas e iam jogar ao boliche em conjunto; diminuindo, gradualmente essa participação coletiva, até se chegar ao ponto em que – devido ao aumento exponencial da diversidade de compromissos pessoais, mas também pelo crescente desinteresse em atividades conjuntas – assiste-se a indivíduos que chegam ao ponto de irem  sozinhos jogar ao boliche. É o símbolo da atomização social, do trágico triunfo do individualismo;

5. Felizmente, tem havido pequenos sinais de esperança, mas que são, na verdade, indicadores de poderosas mudanças em germinação. Indivíduos que dantes se abstinham completamente, agora, nestes novos tempos têm assumido publicamente as suas posições de apoio claro a candidatos políticos, revelando uma profunda consciência da sua responsabilidade coletiva derivada do papel social global que desempenham. Nas últimas eleições em França, Tiago Rodrigues, diretor do Festival de Teatro de Avignon, assumiu o seu apoio à esquerda e alertou para o perigo que representa a direita. Agora, nas eleições norte americanas a estrela musical mundial Taylor Swift acaba de assumir o seu apoio a Kamala Harris;

6. Entre nós, as eleições autárquicas que se avizinham constituem uma oportunidade histórica de reassumirmos a sempre extraordinária jornada de defesa do nosso destino coletivo! Que todos se apresentem e se manifestem em defesa da sociedade mais justa e de transparência que queremos construir. Cheguemo-nos todos à frente!

PS: trecho do poema "No caminho com Maiakóvsky" de Eduardo Alves da Costa

“Na primeira noite eles se aproximam

e roubam uma flor

do nosso jardim.

E não dizemos nada.

Na segunda noite, já não se escondem:

pisam as flores,

matam nosso cão,

e não dizemos nada.

Até que um dia,

o mais frágil deles

entra sozinho em nossa casa,

rouba-nos a luz e,

conhecendo nosso medo,

arranca-nos a voz da garganta.

E já não podemos dizer nada.”

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SOBRE O AUTOR

Francisco Carvalho

Político, sociólogo, pesquisador em migrações, colunista de Santiago Magazine

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