Assumiu a pasta da Cultura já na fase final desta legislatura. Quais vão ser as suas grandes prioridades até ao final do mandato?

Até ao final do mandato, as nossas prioridades vão no sentido da formalização do sector que para nós é chave. Também no reforço do financiamento do sector e de uma maior conexão entre a Cultura e o Turismo. A parte formativa para nós é muito importante, portanto a formação a nível do sector. A transição digital é também uma parte importante que já é presente e que também é futuro. Também uma política de inclusão na Cultura, que abrange também os portadores de deficiência e a terceira idade, mas também vamos trabalhar na descentralização da Cultura. Esses são, neste momento, para nós os pontos principais.

Acaba de dizer que a formalização e o reforço do financiamento do sector vão ser as grandes prioridades para a área da cultura. Que passos já foram dados nesse sentido?

A nível do Orçamento do Estado nós vamos ter um aumento dos valores o que nos vai ajudar a trabalhar melhor durante o próximo ano. Também estamos à procura de parceiros a nível do sector privado nacional e de parceiros internacionais como ONGs, câmaras municipais e governos regionais como, por exemplo, os Açores, também a Catalunha, e continuar a estabelecer parcerias com ministérios da cultura de países amigos, como a Espanha, Portugal e também com novos países com os quais estamos a iniciar contactos para diversificar as nossas fontes de financiamento. Em relação à formalização, nós acreditamos que a formalização é essencial para uma maior sustentabilidade do sector. Então, nós estamos a negociar a finalização da formalização do sector que para nós é chave. Também no reforço do financiamento do sector, que acreditamos venha ajudar nesta questão da formalização. Há também um projecto que encontrámos, que estamos a dar seguimento, que é o Balcão do Artista, que ajuda a ter um maior conhecimento do próprio sector, tendo um cadastro dos artistas, mas ao mesmo tempo permitir que os artistas possam interagir com o Ministério da Cultura directamente através desse Balcão do Artista, que contamos apresentar de forma mais prática no mês de Dezembro numa cerimónia pública, para informar melhor o que é o Balcão do Artista que está inserido dentro de um projecto com jovens que se chama artistas.cv, que é mais a nível do digital. Também, neste momento, a nível do financiamento do Ministério da Cultura, já funcionava assim e nós reforçamos, qualquer cidadão ou qualquer organização para receber qualquer financiamento do Ministério tem que estar formalizado, tem que ter o seu número de NIF, tem que ter a sua conta bancária e muito em breve nós vamos também avançar com uma inscrição no INPS. Essa será uma forma em que nós também podemos ajudar na formalização do sector. Também já começámos a dar passos a nível da sustentabilidade e inclusão no sector, mas muito em breve iremos publicar, já no início do próximo mês, todos os passos que já demos nesses primeiros dois meses em funções no Ministério.

Falou dos Açores e ocorreu-me Madeira e outras ilhas da Macaronésia, onde o ministério poderia estender a sua cooperação.

De facto, nós estamos a fazer contactos com a Madeira, com os Açores, Canárias, e estamos a ver se realmente conseguimos culturalmente reactivar a questão da Macaronésia, e fazer isso acontecer. Já temos um projecto concreto de actividades culturais entre os países da Macaronésia. Em relação aos Açores, tivemos um encontro com a Secretária da Cultura deste arquipélago e a ideia é avançar para um protocolo de colaboração e intercâmbio cultural. E concorrer também através dos Açores para financiamentos da União Europeia. Então, acho que podemos abrir novas portas de cooperação com esses arquipélagos.

Quando oiço falar do Estatuto do Artista penso logo em artesãos e artistas plásticos. Ou é mais abrangente o estatuto a que se refere?

Sim, sem dúvida. O Estatuto do Artista vai ser para todos. Os artesãos são os que estão mais adiantados neste momento neste processo, porque já se avançou muito na sua formalização. Neste momento, o artesanato é a área que está mais formalizada e o CNAD detém um arquivo impressionante a nível de praticamente todos os artesãos que estão formalizados em Cabo Verde e é possível, online, através do site do CNAD, ter acesso a todos os artesãos que estão registados em Cabo Verde, ilha por ilha, concelho por concelho. O Estatuto do Artista vai abranger a todos, mas a nível do artesanato estamos mais avançados do que nas outras áreas. Foi feito um excelente trabalho de mapeamento, mas o Estatuto do Artista neste momento não está finalizado porque ainda não houve um acordo final em relação ao INPS e ao desconto também para as Finanças. Então, neste momento, há essa negociação para finalizar a questão de como é que se vai processar para se poder finalizar. É o único ponto que ainda falta fechar. Estamos a fazer de tudo para fechar muito em breve esse Estatuto que vem com todos os deveres e os direitos e que permitirá aos artistas ter também um cartão de identificação, que vai dar um bocadinho mais de dignidade ao sector, mas para se obter esse cartão, vamos ter que estar formalizados. Então, eu acho que esse Estatuto do Artista vai ser um grande passo para a formalização do sector.

Quando diz que o estatuto do artista vai ser para todos, quem são os outros?

Todas as áreas da Cultura e das Indústrias Criativas de Cabo Verde, todos os sectores que nós temos sob a nossa alçada, desde as artes visuais, desde a música, da parte do artesanato, do audiovisual, também da parte da literatura, de todas as áreas mesmo. Nós queremos englobar todas as áreas dentro do Estatuto do Artista.

Falando do cinema. Que novos impulsos a Sétima Arte vai receber do novo ministro?

A Sétima Arte já tinha um projecto interessante que era o Núcleo do Cinema, mas temos já indexado a nível do orçamento do ministério, através da lei da cópia privada, valores fixos anuais que são para o cinema. E estamos a falar em valores com alguma dimensão. Assim, temos financiado várias obras, mas é claro que os valores que nós temos em Cabo Verde são irrisórios para aquilo que é a indústria cinematográfica. Então, a nossa ideia é fazer cada vez mais parcerias para atrair uma maior formação para o sector, que achamos que é extremamente importante, mas também fazer parcerias com grandes instituições a nível, por exemplo, do Brasil, que têm acesso a financiamento e que podem fazer parcerias com os nossos produtores locais, nacionais, residentes e da diáspora, para incentivar a produção nacional. Nós acreditamos que há que haver um reforço financeiro, mas que tem que ser acompanhado também de formação. Nós temos incentivado os festivais de cinema, somos financiadores de vários festivais, nomeadamente dos mais pequenos, como o Festival Oiá que que aconteceu na semana passada, em Mindelo e o Txan Film Fogo. Para além de festivais de cinema que nós temos incentivado, temos também financiado várias produções nacionais ao longo desses meses. E é uma política do Ministério realmente reforçar este sector.

Entretanto, fica-se com a impressão que em Cabo Verde o teatro recebe mais subsídios, mais apoios do Ministério do que próprio cinema. Como pretende conciliar as duas artes cénicas?

O Ministério tem praticamente protocolos plurianuais com todas as companhias e festivais de teatro. A maioria tem já protocolos assinados até 2026, que ajudam na sua subsistência. Mas vamos ter também audiências já a partir da manhã [terça-feira] exactamente com produtoras e com actores de teatro. A nossa ideia é reforçar o sector através da formação, o que já tem acontecido, e também através do reforço do financiamento ao teatro. Saltando um pouco uma das perguntas que tem aqui: como gerir as expectativas dos actores culturais, em que cada um pensa ser o seu próprio ministro dentro do seu sector?

Nós acreditamos que não devemos agir sem estar em diálogo com os sectores e implementar políticas que não servem para o sector

A nossa ideia é reunir com todas as áreas individualmente e ouvir o que pretendem do Ministério e quais são as políticas mais assertivas para as suas áreas. Nós temos a nossa ideia, a nossa equipa tem também a ideia de como é que nós devemos agir dentro do programa do governo para o sector, mas vamos ouvir todas as áreas do sector da cultura individualmente e tentar pôr em prática a maioria dos anseios de cada área. Essa é a nossa estratégia, porque nós acreditamos que não devemos agir sem estar em diálogo com os sectores e implementar políticas que não servem para o sector. Então a ideia é o diálogo e a partir daí, dentro daquilo que é a nossa ideia para o sector da cultura, pela nossa experiência na área, vamos implementar aquilo que nos for solicitado.

Está a pouco mais de dois meses no cargo. Já teve tempo suficiente para conhecer todos os cantos da casa?

Ainda não. É um ministério grande, mas vamos conhecendo e decidindo: é um processo. Já temos uma ideia do Ministério, mas temos muitas áreas que são complexas - o Arquivo Histórico Nacional, a Biblioteca Nacional, o IPC, o Centro Cultural do Mindelo, o CNAD, a Academia Cesária Évora, o projecto BA-Cultura, a Bolsa de Acesso à Cultura, que para mim é um dos maiores projectos do Ministério.

Apanhamos o comboio em movimento, mas vamos andando no comboio, aprendendo sobre os diferentes vagões e trabalhando também

Então é complexo e aquilo que tem sido mais complexo é a questão da gestão dos recursos humanos, pois temos uma carência de recursos humanos na nossa área. Apanhamos o comboio em movimento, mas vamos andando no comboio, aprendendo sobre os diferentes vagões e trabalhando também. Entramos numa altura em que o Orçamento do Estado já estava a ser fechado. A preparação do Dia Nacional da Cultura e Das Comunidades, entre outros projectos acarretam custos e não tem sido fácil. Mas estamos a dar seguimento e acreditamos que até Dezembro teremos um conhecimento pleno de todos os dossiês e possamos trabalhar com um novo orçamento e um novo ano orçamental numa velocidade maior.

Até porque, como afirmou, a Cultura vai ter um aumento significativo no OE2025. Em que sectores vai ser prioritariamente canalizado?

Vamos ter um aumento significativo a nível de números, mas só um projecto vai abarcar praticamente a maioria dos valores, que é um projecto que está dentro do turismo resiliente e desenvolvimento da economia azul em Cabo Verde, que é o projecto da requalificação urbana e ambiental da Cidade Velha. Só esse projecto vai envolver mais de 200 mil contos e é um projecto financiado pelo Banco Mundial e que vai modificar totalmente pela positiva a Cidade Velha como Património Mundial da Humanidade. Esse valor é a maioria do valor que nós vamos ter com o aumento a nível do Orçamento. Mas a principal área que vai abarcar o aumento do orçamento é a área do desenvolvimento da Cultura e das Indústrias Criativas. E também a reabilitação dos patrimónios. Nós vamos ter pelo menos dois museus que nós vamos reabilitar, que é o Museu de São Filipe, na ilha do Fogo, e o Museu Norberto Tavares, na Cidade de Assomada. Também vamos reabilitar o Palácio da Cultura Ildo Lobo. Temos neste momento já em andamento a reabilitação de oito faróis históricos. Portanto, para nós o património também é extremamente importante porque daí vem um dos eixos que nós queremos, que é a questão da associação do Turismo à Cultura. E nós acreditamos que o património histórico pode ser um dos factores de financiamento da Cultura e um dos factores de geração de riqueza para Cabo Verde e para a sua população em geral, com uma atracção maior de um turismo cultural interno, mas também, na sua maioria, externo, não é? E vamos ter a afectação de recursos para essa parte. Mas esse aumento tem a ver também com o aumento a nível dos valores que nós temos para os editais da cultura. Vamos lançar, ainda este ano, os últimos dois editais, mas vamos ter mais no próximo ano. Também este ano vamos lançar o edital do Fomento das Artes e o edital do Fomento do Batuque, pela primeira vez. Ainda esta semana vamos lançar esses editais com verbas ainda deste ano, mas no próximo ano vamos ter mais editais que nós acreditamos que são uma forma mais transparente de afectar realmente os recursos da cultura para os vários players da área cultural. Mas também vamos ter um aumento do orçamento para a URDI, a Feira de Artesanato, e vamos ter também pela primeira vez dentro do Ministério da Cultura, dentro do Orçamento, um aumento para o Carnaval, um aumento de 10 mil para 15 mil contos, e vamos ter também um valor de cerca de 20 mil contos que abrange o AME, abrange o Kriol Jazz Festival, que pela primeira vez sai de dentro do orçamento do Ministério da Cultura, para além de outros eventos com quem o Ministério já tem acordos plurianuais e que foram assinados na sua maioria no ano passado e este ano também, nomeadamente o Mindel Summer Jazz, os CVMA e com quase todos os promotores de eventos de grande envergadura que nós temos aqui em Cabo Verde. Para o próximo ano, vamos incluir também nesses eventos de grande envergadura o Kavala Fresk Feastival, que tem lugar em São Vicente e que pela primeira vez vai receber um financiamento do Ministério da Cultura.

O orçamento do Estado para 2025 disponibiliza ao Ministério da Cultura uma fatia importante para a transição digital, através da construção de um Data Center e de um novo edifício para o Arquivo Histórico. O que se pretende com estas medidas?

Sim, a nível do Orçamento do Estado para o próximo ano, temos uma parte muito interessante, muito importante, que é a questão da transição digital. Temos no nosso orçamento também a questão da construção de um Data Center, que é muito importante a nível da digitalização de tudo aquilo que nós temos como arquivo principalmente a nível do Arquivo Histórico e também no orçamento está uma verba para a construção de um novo edifício do Arquivo Histórico Nacional. Eu acho que era importante mencionar isso porque é uma mudança radical, porque onde o Arquivo Histórico está neste momento não tem condições para continuar e podemos correr o risco de perder muito do nosso arquivo histórico que temos lá devido à sua localização, à infiltração e tudo mais. Então, dentro do novo orçamento, também temos essa parte que tem a ver com o novo edifício do Arquivo Histórico, e também a parte da digitalização e a construção de um Data Center, que vai ajudar e muito a conseguirmos também ter digitalizado o nosso arquivo, que é muito importante.

Quando é que é arrancam as obras?

Ainda não temos uma data de arranque às obras. Já conseguimos a primeira vitória, que foi inseri-las no orçamento do próximo ano e a partir de agora iremos trabalhar com as Infraestruturas de Cabo Verde para avançar com o projecto.

Disse acima que uma parte do aumento do orçamento irá contemplar a reabilitação de patrimónios. Sabemos que o ministério da Cultura tem uma Lista Indicativa dos bens patrimoniais para a sua candidatura a património mundial. Essa lista foi entregue em 2003 e actualizada em 2016, mas tem sido um processo que se arrasta lentamente. Como pretende dar mais vigor a este processo?

A ListaIndicativa é um pré-requisito para a preparação de candidaturas a património mundial. É dentro desta lista que o país apresenta as suas candidaturas e, no caso de Cabo Verde, no quadro das celebrações dos 50 anos do encerramento do Campo de Concentração do Tarrafal, foi formalizado a sua candidatura a Património Mundial para o horizonte de 2026. Normalmente é sempre um horizonte temporal muito superior. Apresenta-se agora para depois, daqui a uns anos, conseguir esse estatuto. A candidatura tem procedimentos específicos: são actualizados e periodicamente e devem ser observados. E, em regra, o tempo de preparação das candidaturas leva ano e meio a dois anos até a sua submissão. Portanto, a candidatura do Campo doTarrafal já está a avançar com a meta de 2026 e Cabo Verde participou recentemente num programa de capacitação sob os procedimentos de avaliação preliminar que culminou com a submissão do pedido para o Campo de Concentração do Tarrafal, que foi exactamente a semana passada. Todos os outros bens patrimoniais estão também a ser trabalhados. Como se sabe, a UNESCO tem o seu próprio timing e, portanto, tudo aquilo que nós já entregamos, temos neste momento só que aguardar e a expectativa é que a partir de 2025/2026, comecemos a receber as respostas aos nossos pedidos anteriores. Mas há um contacto permanente, também através do IPC e através da Comissão Nacional da UNESCO, aqui em Cabo Verde, que também é tutelada por nós. Portanto, há esse contato permanente, mas também a abertura para outros sectores que nós podemos também propor muito em breve.

Passando ao Plano Nacional (PNL). Na legislatura de 2016/2021, o governo criou o Plano Nacional de Leitura, mas nem todos os objectivos foram alcançados até à presente data. Assumindo a pasta da Cultura já no final desta legislatura, que novos impulsos o seu Ministério vai dar para a concretização deste Plano?

Este Plano é um dos maiores projectos culturais materializados pelo governo de Cabo Verde. Não só por envolver directamente os ministérios que tutelam a Educação e a Cultura, mas por envolver também parceiros estratégicos nacionais e internacionais. Mas o compromisso é elevar os níveis de literacia dos cabo-verdianos. O PNL é realmente um despacho conjunto de 12 de Dezembro de 2017. Desde então, foi criada uma equipa para preparar as bases para a sua implementação, e, em 2020, estabeleceu-se o decénio 2020-2030 para a sua primeira fase de efectivação plena. Até este momento a maioria dos objectivos já foram alcançados. O PNL já conta com um site operacional, onde se encontram recursos importantes sobre as diferentes áreas do saber e iniciativas de promoção da leitura. Uma lista de obras recomendadas, com selo do Plano Nacionsl de Leitura de Cabo Verde [PNLCV], com uma sede na Biblioteca Nacional de Cabo Verde, com uma equipa permanente. O PNLCV materializou já a publicação do seu primeiro livro infanto-juvenil com chancela e selo. Trata-se do livro A Montanha Branca e seus Mistérios, da escritora Dina Salústio. Ainda no âmbito do PNL, abrimos a primeira edição do Prémio Literário Infanto-Juvenil Manuel Lopes. O referido plano já efectivou dezenas de projectos, entre os quais as duas edições do Concurso Nacional de Leitura.

O governo de Cabo Verde está empenhado em fazer chegar o livro aos pontos mais recônditos do país

Nessas duas edições participaram 474 escolas e cerca de 15 mil alunos de todos os ciclos do ensino. Foram entregues prémios no valor de 2.500 contos nesse âmbito. Está prevista para os próximos dias a abertura da candidatura para a terceira edição do Concurso Nacional de Leitura. Entre as novas dinâmicas do PNL prevê-se a introdução de uma Biblioteca Móvel com o fito de reforçar a democratização do acesso aos livros. Dito de outra forma, o governo de Cabo Verde está empenhado em fazer chegar o livro aos pontos mais recônditos do país e na implementação de projectos para o estudo dos níveis de literacia dos cabo-verdianos. É um projecto que nós queremos dar continuidade, que é prioritário para o Ministério e estamos em consonância com a presidente da Biblioteca Nacional e realmente estamos empenhados durante o próximo ano a implementar uma das coisas que para nós é importante, que é a parte da Biblioteca Móvel. Nós tivemos agora o Dia Nacional da Cultura e das Comunidades e fomos fazer o acto central na Ribeira Grande de Santo António. Em cerca de dois dias e meio, três dias, vendemos cerca de 5.500 livros. Isto mostra que há realmente uma sede de leitura em lugares que normalmente o livro não chega. Então a ideia vai ser mesmo de centralizar a nível das Feiras do Livro, para também chegarmos a vários pontos do país onde normalmente não se fazem feiras. Para nós é importantíssimo. Dizem que o cabo-verdiano não lê, mas afinal nós estamos a ver que se lê. E basta ter acesso aos livros e será possível ler ainda mais. Portanto, é um projecto que nós temos de dar continuidade e reforçar ainda mais.

O seu antecessor afirmou, em 2021, que é fundamental investir num plano de leitura municipalizado. Acho que até agora não se alcançou muita coisa. Como vai ser com a nova tutela?

É um processo que não é fácil, porque as dinâmicas da promoção da leitura à escala municipal não dependem apenas do Ministério da Cultura e das Indústrias Criativas. Nem sempre os autarcas dão prioridade à questão da promoção da leitura. Então, nos seus municípios, inclusive, nós temos a noção de que há várias autarquias que nem sequer têm uma biblioteca municipal.

Nós acreditamos que o engajamento dos municípios é uma peça-chave na promoção da leitura

E há autoridades que não têm interesse mesmo nessa matéria. Então, neste momento, nós temos muita negociação a fazer e entendimentos em relação às autarquias e nós estamos realmente a aguardar aquilo que vai sair das próximas eleições e contamos ter um encontro com todas as autarquias para definir políticas em comum entre o ministério e as autarquias e uma delas é a questão das bibliotecas municipais. Nós acreditamos que o engajamento dos municípios é uma peça-chave na promoção da leitura. Então tudo vamos fazer e acho que essa questão da introdução da Biblioteca Móvel será uma das medidas concretas para levar o livro a todos os municípios. Mas também a livraria online da Biblioteca Nacional de Cabo Verde, que já é uma realidade, é uma outra medida para levar os livros também a todos os municípios, pois este projecto foi concebido mediante uma parceria com os Correios de Cabo Verde e graças a essa parceria a Biblioteca Nacional tem estado a fazer chegar os livros a todos os cantos do país e mesmo do mundo. Os utentes podem fazer o levantamento dos livros nos postos de correios ou mesmo recebê-los em casa, portanto, sem nenhuma taxa adicional. Só para o estrangeiro é que há alguma taxa. Portanto, nós estamos a apostar realmente no diálogo com as autarquias que já têm as suas bibliotecas municipais, através da cooperação descentralizada e internacional. Vamos também arranjar formas de conseguir melhorar o seu espólio e contribuir para que realmente haja um reforço a nível das regiões, ilhas e concelhos com mais bibliotecas municipais. Temos é que incentivar as câmaras municipais a trabalhar com o ministério nessa questão, pois isso não depende apenas do ministério, mas a nossa vontade é realizar essa parte e incentivar as câmaras municipais a trabalharem connosco para implementar esse projeto.

Para a implementação do PNL, o Governo propunha assinar contratos-programa com editoras nacionais. Ao que parece, pouca coisa foi feita neste sentido. Está na sua agenda assinar esses contratos-programa?

Sim, claro, as editoras são extremamente importantes para nós, mas também, como deve entender, o Plano Nacional de Leitura, está ainda numa fase de implementação. Mas para a viabilização dessa medida, muita coisa já foi feita em relação às editoras nacionais e estamos a envolver as editoras cada vez mais nas feiras do livro.

A partir do próximo ano, como já tivemos a oportunidade de anunciar, já está garantido o financiamento de um prémio editorial reservado às editoras nacionais

E também já há convites para as editoras participarem em feiras do livro a nível internacional, nomeadamente numa feira do livro na Madeira, neste momento, e vamos tentar negociar também a participação dessas editoras na Feira do Livro de Lisboa. Mas a partir do próximo ano, como já tivemos a oportunidade de anunciar, ou seja, no âmbito do Plano Nacional de Leitura, já está garantido o financiamento de um prémio editorial reservado às editoras nacionais. Devido a isso, está na agenda do Ministério e na minha agenda, como ministro, dar continuidade a essa medida governamental.

Passando à investigação cultural. Depois de um período áureo com a publicação de uma colecção de três livros sobre a História Geral de Cabo Verde esta área é hoje um pouco negligenciada. Que impulsos a investigação cultural vai receber do novo ministro?

Bom, isso depende dos elementos de análise que estão a ser utilizados para essa afirmação. Porque eu acho que a nível da investigação cultural temos alguma dinâmica, abrangendo várias vertentes, não apenas a História Geral. Eu acho que houve uma dinâmica boa a nível da História Geral, mas neste momento, mesmo que a História Geral não esteja actualizada, porque há que se continuar a fazer esse trabalho, mas outros domínios como a antropologia, a sociologia e a musicologia têm tido uma boa dinâmica. E essa dinâmica pode ser visível nos projectos das instituições da tutela, como o Arquivo Histórico Nacional, a Biblioteca Nacional e o IPC, mas também da parte de investigadores independentes e vinculados também às universidades nacionais. Da parte das instituições do ministério da Cultura, já há alguns projectos de investigação que se têm materializado em várias formas, como nos domínios da arqueologia terrestre, mas também subaquática. Pela primeira vez Cabo Verde dispõe de um catálogo de inventário dos naufrágios ocorridos em Cabo Verde entre os séculos XVI e XX. Quanto às tradições orais e às manifestações culturais, por exemplo, ainda agora no dia 19 passado foi lançado o catálogo das festividades de São João Baptista, no Porto Novo, que também é resultado de uma investigação nos domínios da antropologia. Também podemos acrescentar a questão da investigação sobre a olaria tradicional, que conduziu à montagem do recém-inaugurado, ainda pelo meu antecessor, do Centro de Fonte Lima, o inventário do Funaná, que conduziu também à sua classificação a Património Nacional, e mesmo o inventário da Tabanca e todo o trabalho técnico-científico para a preparação da candidatura da Tabanca como património mundial. A Morna também é um exemplo; a construção do dossiê que conduziu à sua classificação a Património Mundial, em 2019, resulta de um processo também de investigação e vamos dar seguimento a esse processo de valorização da Morna que parou devido à pandemia da Covid. Portanto, eu acho que se pode ver também que há vários trabalhos de valorização do património histórico nacional que estão atrelados à investigação. Portanto, na nossa opinião, é a partir desta dinâmica de valorização cultural e patrimonial que se deve mensurar também a parte do estado da investigação cultural no país. Mesmo em relação às publicações fora do quadro institucional e com a chancela do Ministério da Cultura, através das suas tuteladas, foram também dadas à estampa, nos últimos anos, inúmeras obras que versam sobre temáticas variadas, sendo os últimos sobre as revoltas populares em Cabo Verde, sobre a Cidade Velha, sobre o Campo de Concentração do Tarrafal, sobre a história do Tarrafal e sobre o Centro Histórico da Praia. Portanto, acho que também o governo e o ministério e as suas tuteladas têm feito alguma coisa.

Queremos dar uma nova dinâmica à investigação cultural em Cabo Verde

O nosso objectivo realmente é fomentar e incentivar a investigação e acreditamos que através também das nossas parcerias com as universidades, vamos ter encontros com os diversos reitores para estudar planos de fomento à investigação. Queremos dar uma nova dinâmica à investigação cultural em Cabo Verde. Acreditamos que é muito importante e que devemos fazer de tudo para incentivar e dar continuidade àquilo que já está sendo feito.

Investigadores independentes, portanto, por conta própria, que têm feito estudos importantes sobretudo na área da música, queixam-se da falta de incentivos por parte do ministério.

Sem dúvida. Esta dinâmica de investigação particular, em relação aos domínios da música, é muito importante e o objecto do ministério é continuar a apoiar essas iniciativas. Eu acredito que, à semelhança dos editais existentes para os sectores artísticos, também o Ministério poderá lançar bolsas e prémios específicos. No caso, por exemplo, da Morna, o plano de salvaguarda já prevê o fomento da investigação neste domínio, e que poderão ser alargados a outros géneros musicais. Mas nós vamos ter também uma maior noção do que é que está a ser feito, e nós solicitamos a esses investigadores independentes que se aproximem do Ministério e deem a conhecer os seus trabalhos ao Ministério e ao novo Ministro, para que possamos procurar em conjunto uma forma de os podermos incentivar financeiramente, ou procurando novos caminhos e novos financiamentos, mesmo externos ou internos, para que possam se sentir valorizados.

Foi diretor-geral do Atlântica Music Expo, a grande monta da música cabo-verdiana: enquanto Ministro da Cultura, o AME vai manter o mesmo formato?

Sim, o AME vai manter o mesmo formato. Foi designado um novo director-geral em minha substituição, mas o AME é um projeto que foi gerado dentro do Ministério da Cultura e então vai haver uma boa relação entre o Ministério e a direcção do AME.

Eu acredito que o AME só vai crescer e melhorar de ano para ano

Mas o AME vai continuar a ter o mesmo formato, tendo em conta que foi assinado um protocolo plurianual com o governo, por um bom valor, que permitirá ao AME ter uma boa base para funcionar nos próximos 5 anos. Eu acredito que o AME só vai crescer e melhorar de ano para ano. A equipa que está a gerir o AME é a mesma equipa que fez as últimas edições, pelo menos as duas últimas edições, se não me engano, foi essa equipa que fez também as três últimas edições. É só a minha saída, mas há uma boa equipa a trabalhar o AME e eu acredito que não vai perder a sua dinâmica. As pastas já foram todas passadas, estavam sob a minha coordenação como director-geral, mas o novo director-geral está no projecto desde o início, trabalhou durante as dez edições do AME e era o responsável pela parte financeira e pela parte das infraestruturas e da logística. Então eu acredito que o projecto continuará a ter sucesso e que vá crescendo de ano para ano e de certeza que vai ter o suporte do Ministro e do Ministério.

Como vai ficar a relação com as sociedades de autor, nomeadamente a SCM e a SOCA, depois da suspensão pelo ministério da Cultura da taxa de compensação pela cópia privada que, entretanto, foi reposta?

A relação com essas sociedades vai ser uma relação de diálogo e de muita colaboração e cordialidade em prol da cultura e dos direitos autorais no nosso país. A suspensão do financiamento foi decidida devido à questão das auditorias que estavam a decorrer, mas depois, por deliberação do Ministério das Finanças, que é quem estava e está a fazer essas auditorias, foi entendido que o governo deveria continuar a financiar até que os inquéritos estivessem fechados.

Nós, pessoalmente, vamos manter uma boa relação com as duas sociedades de autores, a bem da cultura de Cabo Verde

Então, após a nossa entrada, e por indicação do Ministério das Finanças, nós autorizamos o pagamento e neste momento a situação está regularizada em relação a essas duas sociedades e nós vamos aguardando o desenrolar e a finalização desse inquérito. Mas a nós, pessoalmente, vamos manter uma boa relação com as duas sociedades de autores, a bem da cultura de Cabo Verde.

Como vem de uma área ligada à música e à organização de eventos e festivais, vai dar uma atenção especial a estas vertentes?

A música é uma das vertentes muito importantes para Cabo Verde, não é? Grandes eventos musicais são muito importantes para a exportação dos nossos artistas, para a geração da riqueza transversal a nível de vários sectores da economia, também para a atracção do turismo, do tão falado turismo cultural e tem um impacto muito forte na economia, mas esse sector precisa ser regulado e precisa de uma maior organização. Porque precisamos criar uma agenda cultural nacional, com programas feitos com alguma antecipação, alguma antecedência. Então, esse sector da música também tem muito a ver com as câmaras municipais. E nesse encontro que nós vamos pedir às câmaras municipais, nós vamos tentar trabalhar também a organização desse sector da área da música e da área dos estivais.

Pelo facto de eu vir dessa área, as pessoas podem esperar que eu vou trabalhar mais essa área, mas não, é uma área que precisa ser trabalhada

É uma vertente que vamos trabalhar, porque nós acreditamos que é necessário trabalhar, porque é um sector que pode ser muito importante para a promoção da cultura de Cabo Verde, aqui dentro, mas também além-fronteiras. É um sector que gera também muitos rendimentos e empregos, mas vai ser dada atenção igual a todos os outros sectores da área da cultura. Porque eu sei que, pelo facto de eu vir dessa área, as pessoas podem esperar que eu vou trabalhar mais essa área, mas não, é uma área que precisa ser trabalhada, precisa ser organizada e vamos dar uma atenção também especial, mas a ideia é trabalhar todas as vertentes de uma forma igual.

Para terminar, tem cerca de um ano e meio para concretizar os seus principais objectivos à frente do Ministério. Já se sente pressionado pelo tempo?

O tempo não perdoa, não é? Temos cerca de um ano e meio, até ao final desta legislatura. Muita gente tem-me dado força a dizer que é bom ter uma pessoa da cultura no Ministério e que se sentem representadas. Então, há essa pressão.

É claro que nos sentimos pressionados pelo tempo, porque não temos muito tempo para implementar toda a nossa visão para o sector

Mas nós vamos responder com trabalho, com assertividade e tentar fazer a diferença para haver uma melhoria e uma sustentabilidade a nível do sector, mas, sobretudo, também trazer um bocadinho mais de dignidade e respeito pela classe da Cultura e das Indústrias Criativas. É claro que nos sentimos pressionados pelo tempo, porque não temos muito tempo para implementar toda a nossa visão para o sector, mas encontramos bons projectos em andamento a que vamos dar continuidade e, no tempo que nos resta, vamos implementar também alguns projectos novos que nós achamos que vão ser muito importantes para o sector.

Versão completa da entrevista originalmente publicada na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1195 de 23 de Outubro de 2024.