Nobel da Economia de 2024: Riqueza e pobreza das Nações e qualidade das instituições. E em Cabo Verde, as instituições são “inclusivas” ou “extrativas?
Por: João Serra*
Escrevi, em vários artigos de opinião publicados neste semanário, sobre as diferentes visões que diversos investigadores e economistas, mundialmente renomados, têm sobre a importância relativa das condições e fatores que tornam os países mais ricos ou mais pobres.
Num desses artigos, publicado no jornal de 15 de junho de 2023, fiz uma resenha do livro “Porque Falham as Nações: As Origens do Poder, da Prosperidade e da Pobreza”, publicado em 2012, pelos economistas Daron Acemoglu e James A. Robinson.
Nessa obra, os autores defendem a tese segundo a qual o sucesso de um país surge quando as suas instituições são inclusivas e pluralistas. As condições mínimas para essas chamadas “boas instituições” são, nomeadamente, uma adequada constituição escrita, eleições democráticas, poder político centralizado e competente que acomode todos os interesses, tratamento igual de todos face à lei, reconhecimento e valorização do mérito e liberdade de expressão para todos os cidadãos.
Na linha desse pensamento, não são fatores exógenos, como o clima ou a abundância de recursos, ou fatores difíceis de mudar, como a cultura, que explicam o facto de muitos países e das suas populações se tornarem ricos. Antes pelo contrário, o principal fator promotor de prosperidade é o desenvolvimento de instituições inclusivas que envolvem toda a população no desafio do desenvolvimento económico e social. Por oposição, “instituições extrativas” exploram os recursos da população em geral, beneficiando apenas, a curto prazo, os que estão no poder e os próximos, e sentenciando o país à condição de eterna pobreza.
Assim, os países que desenvolveram “instituições inclusivas” tornaram-se prósperos ao longo do tempo, enquanto aqueles que desenvolveram “instituições extrativas” não registaram, de forma significativa e persistente, sucesso económico e social.
Por concordar grandemente com essa tese, foi com enorme satisfação que tomei conhecimento da atribuição do Prémio Nobel da Economia de 2024 (PNE/2024) ao turco Daron Acemoglu, ao britânico Simon Johnson e ao estadunidense James Robinson, em reconhecimento pelos seus estudos sobre como as instituições são formadas e afetam a prosperidade económica.
A razão principal para a atribuição do PNE a esses três economistas tem a ver com o facto de terem conseguido, com uma investigação exaustiva, segura e objetiva, explicar como a natureza das instituições ajuda a esclarecer porque é que há países que se tornaram e permanecem ricos, enquanto outros continuam pobres e sem perspetiva para deixarem de o ser.
Conforme justifica a Academia Real das Ciências da Suécia (ARCS), Acemoglu, Johnson e Robinson “adicionaram uma nova dimensão às explicações anteriores para as diferenças atuais na riqueza dos países ao redor do mundo, ao mostrarem que as diferenças regionais entre os climas, principalmente, não podem ser analisadas sem antes entender quais instituições sociais foram implementadas em cada país”.
“A diferença de rendimentos entre os países mais ricos e mais pobres é persistente, embora os países mais pobres tenham enriquecido, eles não chegam perto dos mais prósperos”, disse a ARCS aquando do anúncio dos vencedores do PNE/2024 (14.10.2024).
“Reduzir as enormes diferenças de rendimento entre países é um dos maiores desafios do nosso tempo. Os laureados demonstraram a importância das instituições sociais para o conseguir”, afirmou Jakob Svensson, presidente do Comité do Nobel da Economia.
“Quando os europeus colonizaram grandes partes do globo, as instituições dessas sociedades alteraram-se. Esta mudança foi por vezes dramática, mas não ocorreu da mesma forma em todo o lado. Em alguns locais, o objetivo era explorar a população indígena e extrair recursos para benefício dos colonizadores. Noutros, os colonizadores criaram sistemas políticos e económicos inclusivos para benefício a longo prazo dos migrantes europeus”, enquadra o Comité do Nobel.
Os laureados “demonstraram que uma das explicações para as diferenças na prosperidade dos países reside nas instituições sociais introduzidas durante a colonização. As instituições inclusivas foram frequentemente introduzidas em países que eram pobres quando foram colonizados, resultando, com o tempo, numa população geralmente próspera. Esta é uma razão importante para que as antigas colónias, outrora ricas, sejam agora pobres e vice-versa”, aponta o Comité do Nobel.
“Alguns países ficam presos numa situação de instituições extrativas e de baixo crescimento económico. A introdução de instituições inclusivas criaria benefícios a longo prazo para todos, mas as instituições extrativas proporcionam ganhos a curto prazo para as pessoas no poder. Enquanto o sistema político garantir que estas pessoas se mantêm no controlo, ninguém confiará nas suas promessas de reformas económicas futuras. Segundo os laureados, é por isso que não se registam melhorias”, afirma o Comité do Nobel.
No entanto, realça ainda o Comité do Nobel a partir dos estudos destes laureados, “esta incapacidade de fazer promessas credíveis de mudanças positivas também pode explicar o facto de, por vezes, a democratização ocorrer. Quando há uma ameaça de revolução, as pessoas no poder enfrentam um dilema. Prefeririam manter-se no poder e tentar apaziguar as massas prometendo reformas económicas, mas é pouco provável que a população acredite que não voltarão ao sistema antigo assim que a situação se acalmar. No final, a única opção poderá ser a transferência do poder e a instauração da democracia”.
A análise feita pelos vencedores do PNE/2024 aponta para a importância de políticas que incentivem a criação de instituições que favoreçam a inclusão e o crescimento sustentável a longo prazo. Assim sendo, o seu impacto é fundamental para a economia e, também, para a ciência política, na medida em que ajuda a compreender as razões que levam algumas sociedades a realizarem transição para sistemas mais democráticos e inclusivos, enquanto outras não conseguem implementar reformas eficazes no mesmo sentido.
Não obstante ser inquestionável o mérito dos laureados com o PNE/2024, a conclusão de que a maior prosperidade esteja, praticamente, apenas correlacionada com o desenvolvimento de instituições inclusivas pode ser restritiva, uma vez que há países claramente autoritários que conseguiram gerar alguma prosperidade para as suas populações, criando modelos que não se enquadram, de todo, nas chamadas instituições inclusivas, aproximando-se mais das “instituições extrativas” Para esses países, fica, no entanto, por confirmar se esse percurso de prosperidade é sustentável ou não no futuro.
Cabo Verde é um país de instituições inclusivas ou extrativas?
No que à qualidade das instituições no nosso país diz respeito, reitero o que já tinha escrito e fundamentado no artigo intitulado “Porque falha Cabo Verde: uma democracia sofrível e muito pouco meritocrática”, publicado no jornal de 22 de junho de 2023: Cabo Verde ainda não fez a transição plena para uma nação democrática e inclusiva. Na verdade, apesar da existência da chamada Constituição Moderna, nem todos os cidadãos são envolvidos na vida coletiva, expressam, sem condicionalismos, as suas opiniões e opções político-partidárias e desempenham as profissões pretendidas, seja porque as oportunidades são diferentes, seja porque há funções a que só alguns (os “boys”) acedem. Há uma excessiva partidarização e politização do aparelho administrativo do Estado e do espaço público, e uma política de discriminação descarada, condicionando a participação cidadã e a atuação da sociedade civil devido ao medo, e desvalorizando a meritocracia.
Certamente será também por isso que Cabo Verde está muito longe do tão almejado desenvolvimento, e assim o permanecerá enquanto as suas instituições continuarem com laivos “extrativos”!
Praia, 19 de outubro de 2024
*Doutorado em Economia